Escrevi no blog "O Tremontelo", faz agora uns anos, um post com o mesmo nome e com os seguintes dizeres:
"Comemoração da deusa Brígida ou Brigite como a "noiva do sol". O acréscimo diário da luz solar faz despertar as sementes adormecidas na terra gelada pelas geadas. É o primeiro indício da Primavera. A donzela, agora recuperada do parto da criança solar, ressurge revigorada."
Acho que tem cabimento num blogue dedicado à Ateologia Portuguesa - e aproveito para agradecer ao Rui o convite para participar neste sítio - um espaço dedicado aos primitivos deuses pré-romanos que a seita hebreu-cristã romana cristianizou, canonizando-os.
A narrativa respeitante a Santa Brígida está mais envolvida em névoa do que a própria Avalon. Naomh Bríd nasceu no século V na Irlanda, de que é padroeira. Segundo outra tradição, não menos nebulosa, a mãe era natural da Lusitania e teria sido raptada por piratas, tal como São Patrício, e levada como escrava para a Irlanda. Brígida morreu por volta do ano 525 e o seu crânio foi trazido para Lisboa onde permanece na Igreja de S. João Batista, no Lumiar.
Isto tem um tríplice interesse do ponto de vista da ateologia lusitana:
A santa católica é cultuada no mesmo dia (1º de Fevereiro, Imbolc) em que também o era a deusa celta do mesmo nome (Brígida ou Brigite).
As ligações da santa, tal como a deusa, a Portugal. Nomes da deusa: Bride, Brid, Brig, Bridey, Brigit, Brighid, Briggidda, Brigantia, Brigid, Brighid, Bridget, Senhora do Manto. Note-se que de 'Brigantia' derivou 'Bragança'. (Resta saber se tudo isto não virá a ter, um dia, relação com as Mães de Bragança).
Imbolc é também Candlemas, o Festival do Fogo, o que relaciona directamente esta festa pagã com a festa que os católicos celebram amanhã em honra de Nossa Senhora das Candeias ou Candelárias, ou da Purificação da Virgem (Purificatio B.M.V.). Segundo a Lei Mosaica, uma mulher que tinha acabado de parir era impura e tinha que ir, passado um certo tempo, ao Templo para ser novamente purificada. (Estranho parentesco com as Mães de Bragança e a purificação da sua cidade)
Não fica aqui mais do que um apanhado de reflexões a fazer. Essas, porém, cabem aos leitores deste blogue.
Espinosa não é um ateu declarado e tem sido considerado como um panteísta. Postula, na Ética, uma "Substância" infinita a que tanto se pode chamar Deus ou Natureza, Matéria (extensão) ou mesmo Pensamento, entre vários dos seus infinitos atributos. Nega que Deus tenha criado o mundo, o qual se rege exclusivamente por causas naturais, que a alma humana seja imortal e que o homem disponha de livre arbítrio.
Espinosa é, todavia, um homem perigoso, pelas suas ideias e pelas suas inclinações políticas claramente republicanas. Não é só a comunidade judia que o excomunga: também, na tolerante Amsterdão do seu tempo, alguns cristãos (católicos e reformados) e filósofos racionalistas (cartesianos) se afastam dele e o atacam.
Questão 1: De onde vem a mania monoteísta da excomunhão (o chérem judeu ou a excommunicatio católica)?
O núcleo central da ideia de excomunhão é o isolamento do excomungado relativamente à sua comunidade. O excomungado não só é banido, o que acarreta a perda completa dos laços e sentimentos de inclusão e pertença, como os membros da comunidade ficam impedidos de comunicar com ele. Parodiando o Poeta, é uma fogueira que "arde sem se ver". A fogueira da Santa Inquisição, como em muitos casos a fatwa islâmica, tem por objectivo o desaparecimento físico do herege, do ímpio ou do impuro. A excomunhão tem outra função mais subtil: manter a pessoa viva a assistir à sua morte como identidade pessoal a qual se forja, como se sabe, pela criação e manutenção dos laços que nos prendem à sociedade em que vivemos.
O Index Librorum Prohibitorum é uma forma ligeira de excomunhão: não separa a comunidade do excomungado mas dos seus livros, cuja leitura passa a ser proibida. Funciona como medida preventiva que isola os crentes e a comunidade dos focos de infecção e impureza.
A hipótese com que estou a trabalhar é a de que se trata de um ritual compulsivo de purificação. Mas isto é ainda uma explicação muito superficial: se o monoteísmo é, ele próprio, o agente virulento que agride a mente humana e a conduz à loucura, não constituirá a reacção descrita uma defesa adaptativa às ameaças à sua sobrevivência? Esta nova hipótese leva à
Questão 2: A mania monoteísta da excomunhão não estará ela própria enraizada no mito bíblico da expulsão do Paraíso? A questão é muito interessante e será abordada mais tarde.
O medo é um sentimento normal que ocorre em resposta a situações ou a objectos percebidos como ameaças à segurança ou bem-estar da nossa integridade. As modificações fisiológicas que acompanham este sentimento preparam o organismo para aumentar a atenção prestada ao meio ambiente, avaliar rapidamente o risco da situação e responder automaticamente, mas de forma adequada, ao estímulo causador do medo, geralmente fuga ou luta. Porque a avaliação da situação é relativamente grosseira (não há tempo, nestes casos, para proceder a uma avaliação racional) o conjunto de reacções espoletado pode ser sub ou sobre-estimado, o que pode conduzir inevitavelmente a efeitos prejudiciais ou mesmo letais (tome-se como exemplo o esmagamento de indivíduos em reacções colectivas de pânico).
O valor de sobrevivência das emoções resulta da rapidez com que um ser humano (ou animal) responde a uma situação de perigo potencial. Passada a situação de perigo, as funções fisiológicas e psicológicas retornam, pouco a pouco, ao ponto de equilíbrio típico de cada indivíduo.
Nas espécies gregárias, como a nossa, tendemos a reagir ao medo colectivamente adoptando comportamentos sociais concertados. A vida gregária e o trabalho colectivo facilitaram o desenvolvimento, não só das nossas espantosas capacidades intelectuais, mas sobretudo da ainda mais espantosa capacidade de simbolização que atingiu a sua perfeição na linguagem humana.
À medida em que a vida em sociedade se foi desenvolvendo, os mecanismos automáticos de resposta foram-se dissociando e integrando em novas condutas mais complexas que combinam elementos emocionais, instintivos e intelectuais. Os nossos recém-nascidos não estão preparados para reagir emocional ou instintivamente à maior parte das situações de risco actuais porque estas estiveram ausentes no período filogenético da formação do cérebro humano. Por isso têm que ser ensinados relativamente aos riscos associados à ingestão de produtos químicos e farmacêuticos, à manipulação de tomadas eléctricas, ao contacto com os bicos de fogões e outras fontes de calor ou ao acesso a janelas, portas, varandas, escadas, piscinas, ruas, etc. Daqui que se percebe como o nosso cérebro está preparado para aceitar e ser condicionado pela influência do semelhante.
As formas de controlo social apareceram e foram sendo aperfeiçoadas, tanto para proteger os indivíduos, como para os submeter aos mecanismos de subordinação e exploração das novas ordens sociais. O controlo social através do medo sempre foi a forma mais eficaz de subordinação e continua a ser usada mas cada vez com maior requinte simbólico e tecnológico, tanto por polícias como por ladrões, por educadores, capitalistas, políticos, juízes e meios de comunicação social. A pressão é exercida sempre no sentido de se criar o medo auto-induzido (que leva a sentimentos de culpa, dependência, auto-desvalorização, etc.) que é mais eficaz, mais barato de obter e com efeitos mais perduráveis do que o medo obtido por coerção.
A religião é, sem comparação, a forma mais subtil e mais inteligentemente concebida de manter a humanidade escravizada pelo medo em proveito de uma minoria silenciosa e de face oculta. E não se pense que isto de religião se mantém apenas pela pregação inflamada das classes sacerdotais ou pela argumentação escolástica dos seus teólogos; Não! A sua base fundamental é a aliança, antiga e sagrada, entre as massas voluntariamente escravizadas e a cupidez dos tiranos.
Um animal acossado por parasitas, abocanha, cata-se ou sacude-os. Também Gaia: tremores de terra, chuvas diluvianas, tsunamis, secas, degelo dosicebergs, são consequências, ou de situações naturais, ou de situações artificialmente provocadas pelo homem. Podemos prevenirmo-nos para fazer face às primeiras e pouco mais; podemos evitar ou minimizar as segundas. Mas quando as utilizamos para invocar a cólera divina causada pelos "pecados da humanidade", estamos a ser cúmplices da grande tramóia.
Os interesses de hoje são os interesses de sempre!
Estamos muito dispostos aproveitar o May Day e vamos a Pasadena mostrar à pequena Myriam a Doo Dah Parade, pressentindo que vai estar um dia de esplendoroso sol. Eu estou na cozinha a preparar o farnel para a viagem, que não será grande indo por Glendale, mas vagarosa para dar umas curvas pelas colinas, e a Patanisca está na garagem a mudar o óleo à carripana, uma Ford LTD de 88, primorosamente cuidada pela mente engenhosa e o afã caritativo da madre Teresita, como lhe chama a Consuelo. Fui, há um curto bocado, levar-lhe alguns peixinhos da horta, para petiscarmos em conjunto, e encontrei-a com um meloso e ebúrneo bronzeado espalhado com muita generosidade pela testa, pelas faces e pelos braços. Estendi-lhe os peixinhos pendurados na ponta dos dedos, tendo os braços a imitar o retesamento de uma cana de pesca mordida pelo lado do anzol. Assim que roçaram os morangos carnudos, adocicados e escarlates dos lábios da sua boca, foram sorvidos com glutonice e escorregaram graciosamente para o interior incógnito resvalando pela melífera gordura do óleo de motor. A Myr ainda dorme o soninho dos anjos longe das sujidades mecânicas e dos óleos de fritar requentados. As saudades por aqui têm-nos falado muito gritantes do pequeno rectângulo.
Em ziguezague semi-acrobático, mas completamente profissional, a pomba desceu dos céus e foi poisar no ombro da boneca de trapos. A pomba, ao contrário de Laqui-Laque, o cowboy solitário, não trazia o habitual raminho de oliveira com que palitava o bico como era seu hábito (posto que tivesse hábitos!). O gato teceu o seguinte comentário, rezando entredentes para os seus botões (suposto que os tivesse): " A puta da pomba é danada para a brincadeira, aquilo deve andar com ideias!", mas desentralaçou os dentes logo de seguida, e deixou descair sobre o focinho aquele esgar risonho que utiliza no perfil da sua rede social. Também olhou arreceado para a gata não fosse aquela ouvir os seus pensamentos. E rodou o botão sintonizador para um nível mais baixo de pensamento. Tinha que encerrar-se no interior de uma larguíssima muralha de betão armado para proteger-se das incursões que a gata fazia aos seus lugares de privacidade.
[Os velhos discutiam qualquer coisa sobre se as espadas eram sabres ou floretes e mandaram vir mais um cântaro de vinhaça]. O ouriço quase ia pisando o caracol que descansava das suas loucas correrias. Porque é que o caracol não se ia deitar à sombra da longa fila de tortulhos que tinham nascido ali aos molhos como auto-estradas? A chuva miudinha e o tempo encoberto tinham-nos trazido para ali e ninguém sabia se eram comestíveis ou venenosos, embora, nos tempos que corriam, quase tudo o que fosse comestível seria, certamente, venenoso. A pomba não deixava de sussurrar palavras venenosas aos ouvidos da boneca pensando que assim a levaria ao castigo. [Os velhos continuaram a bater as cartas sobre o tampo de madeira da mesa, acompanhando o pulsar do tempo]. A boneca continuou a ler o jornal do dia na parte onde se lia, na primeira página, " Hemoglobin-induced oxidative stress contributes to matrix metalloproteinase activation and blood–brain barrier dysfunction in vivo" e viu que era bom. Um artigo é sempre bom sempre que o leitor predica a sua bondade. Também há aqueles que nós consideramos poéticos porque, uma vez ditos, reconhecemos neles uma certa musicalidade. E a musicalidade é aquela propriedade que se assemelha aos ritmos cardíacos que nos estimulam os cérebros de quando somos fetos, provavelmente os que provêm daqueles seres a que chamamos mães. A boneca pensava nestas coisas mesmo sem nunca ter tido uma mãe. A mãe é uma categoria apriori da existência sobre a qual nada se pode decidir sem primeiro nos desembaraçarmos do problema de quem apareceu primeiro, se o ovo, se a galinha. E a boneca ouviu qualquer coisa que lhe recordava Amstrong e pareceu-lhe bem. [A um dos velhos a dama de paus recordou-lhe a Celeste Rodrigues e deu-lhe para começar a cantar fado].