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A gata tinha duas preocupações no que respeitava à cozinha. A primeira, óbvia como se verá, consistia em proporcionar a cada membro do acampamento uma alimentação adequada às necessidades diárias de cada um sem pôr em perigo a reserva de recursos estimada suficiente para os dois dias seguintes. Competia a outros a reposição do armazenamento de água, lenha, alimentos e condimentos. A segunda, por mais estranho que pareça, era a de manter todos afastados da área da improvisada cozinha garantindo-lhe a exclusiva soberania sobre um domínio que a enchia tanto de prazer como de prestígio.
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Era um livro em segunda mão. Depois, passou por outra, e outra, e outra mão. Às tantas andava nas mãos de toda a gente. Depois passou de boca em boca e acabou por andar nas bocas do mundo.
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Era um modesto livro de culinária de um género de segunda, da chamada "comida do mundo". Sempre aspirara a ficar próximo das masterpieces da arte. Mas a tal não lhe chegou o engenho. Agora, esquecido na mais elevada prateleira das imensas estantes da biblioteca, no local dos ditos livros práticos onde a coruja se alcandorava às vezes a piar, murchavam-lhe as entranhas de raiva e de comida requentada. Aproximou-se da beira, fechou os olhos e entregou-se.
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Andamos nisto...assim, os sintomas à mostra, às vezes uns lampejos de felicidade / imbecilidade, tudo indiscernível, o dia-a-dia a conta-gotas, a sabedoria das horas negras, sabor a óleo nas engrenagens da mente, a inquietante separação e o mútuo afastamento do aqui dentro e do lá fora, a saudade e o desejo do músculo dorido na contracção do trabalho da terra, o bate-bate da drogaria nas sinapses da vida ... tudo muito sem sentido, tudo não sentido.
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Tenho uma mania que me vem da infância: gosto de cartas do correio. Não daquelas de obrigação, que se manda a intervalos regulares para as pessoas certas, que nos esperam nos lugares certos ou nos recetáculos certos, não! São as que nos fazem subir todos os dias a rua a esperar o carteiro e alimentam aquela incerta esperança se hoje há alguma coisa para mim. O carteiro é o incontornável da esperança e da conformação. A gente sempre se conforma porque amanhã há outros dias, tem sido sempre assim. E o carteiro tem a sabedoria que recebe e distribui da mesma forma como recebe e distribui cartas. É a sabedoria da atenção aos sentimentos. Mas o carteiro já há muito tempo que não vem: foi tragado pela tecnologia do correio eletrónico.