As cabrinhas não paravam de espinotear no montículo de areia. Andavam à roda numa fona, uma atrás da outra, às marradinhas no nada.
O gato experimentou o chapéu de feltro novo que a gata tinha encontrado numa antiga lixeira, lavado e engomado com esmero. Mirou-se ao espelho, ajeitou-lhe a aba, agitou o pingalim e imaginou-se no papel de Indiana Jones. O coelho ria-se. Ria-se da vaidade do gato, e ria-se da toleima do caracol que insistia em dar a volta ao mundo na carapaça óssea da tartaruga.
É claro que o caracol fora instigado pelas ideias da boneca, mas ninguém, nem mesmo a boneca, percebia onde ele tinha ido buscar essas ideias. Sabemos que tudo o que é dito sai como um fio de voz pela boca das pessoas e fica preso como um papagaio a planar lá nos céus, cada vez mais longe, mais longe, mais longe...
Houve alturas em que se pensava que os discursos faziam parte de histórias e que cada história criava e mantinha a identidade do indivíduo. Os bebés anafados continuavam a história dos progenitores e criavam a sua história pessoal que engordava ao sabor do tempo, narrativa expressa em termos de currículo de vida, de autobiografia; ou de romance, quando escrita pelo outro. Aliás, a própria narrativa separava o próprio do outro para criar o próprio. A boneca sacudiu os farrapos da cabeça como que a afastar este curso de pensamento que levava a nada. Ela sabia que o eu era uma ilusão, que se retirasse os trapos que a envolviam, largando-os no chão, nada restaria: o eu, como a identidade da cebola, são as várias camadas de trapos que se envolvem umas às outras.
As cabrinhas não se cansavam das cabriolices com que entretinham o adolescer complicado das suas hormonas. O cão é que não gostava dos respingos de areia que lhe chicoteavam o focinho gelado e húmido, aquilo era ferramenta para manter em excelentes condições de operacionalidade! Traçou a pata peluda bem à frente dos olhos ficando a espreitar por uma nesga de horizonte e resignou-se à petulância das cachorras de cabra.
A CABRA ESBAFORIDA