Estou seguro do carácter genuíno desta afirmação: acredito na minha sanidade e estabilidade mental, estou seguro de que essa é a minha convicção e sei que ela resulta de uma opção, de um acto livre e espontâneo baseado unicamente na análise lúcida da minha realidade.
Quanto ao saber o que significa “materialista” isso já é outra coisa! O significado, que urge aclarar, não tem, a princípio, uma definição rigorosa. Basta entender que “materialista” é alguém que a acredita que a realidade é constituída exclusivamente de matéria.
Torna-se o termo “materialista” mais entendível se tiver uma definição na forma negativa: então, ser “materialista” consiste em não acreditar noutra realidade que não seja constituída de matéria, por exemplo, não acreditar na alma espiritual e em puros espíritos. Definido desta forma o materialismo é a rejeição de concepções animistas e espiritualistas. Embora estas concepções estejam geralmente associadas a crenças religiosas e místicas, manifestam-se também em crenças profanas e puramente filosóficas como aquilo que ficou definitivamente consagrado na história do pensamento pela designação de Metafísica.
Em termos etimológicos, Metafísica é aquilo que se separa e se situa além da Natureza (em grego, Physis). A metafísica é, não só um estado de abstracção da natureza, da realidade física, mas também a fonte ou a raiz de um conjunto de imperativos que condicionam e coartam o comportamento e os sentimentos humanos obnubilando a cognição.
Este é um ponto muito importante para compreender o alcance do que é ser “materialista”. Dito de outro modo a afirmação poderia ser formulada dos seguintes modos:
;">Sou anti-metafísico. Sou naturalista.
Pelo que atrás se disse, e adiante se poderá esclarecer melhor, ser materialista é recusar categoricamente concepções baseadas ou derivadas da metafísica, considerá-las erróneas ou doentias, identificar e medir os estragos provocados em tudo o que é cultura e biologia humanas, desinfectar e extirpar todas as suas manifestações e repor a sanidade e o equilíbrio das emoções, cognições, sentimentos e comportamento humanos.
Nos meus escritos anteriores identifiquei dois vestígios ou traços da acção corrosiva da metafísica, este vírus que cancerígena a cultura humana: o dualismo e o monismo.
O dualismo consiste em pensar a realidade através de pares de termos opostos: matéria-espírito, corpo-alma, céu-terra, tempo-eternidade, bem-mal, verdadeiro-falso.
O monismo consiste em pensar a unicidade como princípio unificador, supremo e soberano, acima das disjunções enunciadas e suprimindo-as:monoteísmo, monarquia, monopólio, monogamia.
O dualismo dilacera os sentimentos humanos, bipolariza as emoções, binariza a lógica. O monismo estabelece a ordem suprema das coisas, a hierarquia dos seres e reduz o homem à condição de súbdito.
O dualismo rompe o homem ao meio e a ferida provocada por essa cesura é a culpa. A culpa denega a auto-estima, incita ao suicídio e ao desespero, promove a insensatez, gera expectativas de resgate e ilusões salvíficas, como a esperança num outro mundo, seja esse outro mundo um Além espiritual ou a utopia de um Estado sem classes.
O monismo é o princípio arrebanhador: a felicidade está em pertencer ao rebanho e em portar-se como animal de rebanho. É admitir que há uma ordem pré-estabelecida e que fora dela tudo é desordem. O Bom Pastor é o que conduz a alma tresmalhada ao rebanho.
Embora o dualismo e o monismo sejam as manifestações mais óbvias e presentes da metafísica, esta não se resume àqueles.
O materialismo, pelo contrário, é unidade e multiplicidade. A unidade, ou rejeição do dualismo, não se pode pensar sem a multiplicidade. O Uno (a “matéria”) não é o Único: É diversidade, é uma harmoniosa desordem, é acaso determinante.
O materialismo não é um estado contemplativo, é um combate. O antiteísmo (o meu antiteísmo já foi objecto de um postal de 26 de Maio p.p. no Tremontelo) é apenas uma das suas expressões. Combater a metafísica é mais do que isso: deus é apenas um sintoma da doença que ataca a humanidade. Para encontrar a cura para a humanidade é preciso conhecer os outros sintomas.
Até lá, há que viver com a nossa parte sã: preservando e gozando o pouco que resta da Natureza, cuidando dos laços que nos mantêm unidos à comunidade das pessoas, sejam estas seres humanos ou animais domésticos.
Voltarei novamente ao tema da “matéria” onde se verá o que é que tem a ver “hadrões” com ladrões...
O Black é um gatarrão negro, possante e encorpado. Ao contrário dos restantes confrades da sua espécie é um gato basicamente confiante na espécie humana. Vem quando se chama e aproxima-se deixando fazer festinhas. Num gato selvagem isto dava para dois ou três meses de trabalheira até o conseguir. Com ele, não. Foi à primeira vez.
Vem calmamente à hora das refeições, senta-se por perto mas não toca na comida. Fica a ver os outros a comerem e só no fim se aproxima, cheira e faz ares de repúdio deixando a entender que comida de lata é coisa um bocado amaricada, comida de cães.
Há dias fui encontrá-lo a comer uma coisa amarela. Era lusco-fusco e não dava para ver bem o que era. Mas era bem amarelo, amarelo-alaranjado e de certo modo volumoso. Se era víscera de animal este seria grande, de certeza. Seria uma cobra esfolada? Aproximei-me do Black para observar a sua presa. O Black arredou-se um pouco para ma deixar apreciar. Não fiz questão de ver bem o que era, pois metia-me algum nojo. Mas não deixei de considerar: "que grande caçador!"
Andava eu a podar as roseiras com a pouca luz do dia que restava e a pálida luz eléctrica que já se acendera e, a certa altura, vi o Black a aproximar-se de mim. Deu-me marradinhas nas pernas, roçou-se sofregamente e ronronou felicíssimo. Disse cá para mim: "ainda por cima é simpático!"
Bem, estava na hora. Arrumei as alfaias no "escritório" e entrei dentro de casa directamente para a cozinha para preparar o jantar. Pus o grelhador ao lume e fui buscar o salmão que estava no tempero soberbo das ervinhas que colhera no jardim.
Descobri nesse dia uma excelente maneira de preparar atum em conserva de lata.
Num postal anterior coloquei lá este quadro sem qualquer explicação ou legendagem. Melhor, limitei-me a dizer que "Há dois tipos de partículas elementares, os fermiões e os bosões. Deixando de lado as complicações das estatísticas quânticas e simplificando: os fermiões (quarks e leptões) têm massa; Os bosões - fotão, gluão, W e Z - são portadores de força." Acho que está na altura de o fazer e aproveito para falar dos hadrões. Ao fazê-lo vamos estar a falar de matéria, pelo menos nos termos em que esta é referida na Física Quântica como a conhecemos actualmente.Tudo o que acontece no Universo material tem por base quatro forças: a força gravitacional, que explica a atração entre os corpos macroscópicos; a força electromagnética, interveniente ao nível da estrutura atómica; a força fraca, responsável pela desintegração radioactiva, e a força forte, que mantém a coesão dos núcleos dos átomos.
A Física quântica substituíu o termo “força” pelo termo “interacção” e descreve as interacções como troca de partículas. Os portadores destas forças são as seguintes partículas:
1.Interacção gravitacional, o gravitão.
2.Interacção electromagnética, o fotão.
3.Interacção fraca, os bosões W+, W- e Z0
4.Interacção forte, 8 gluões
A matéria é composta de leptões e quarks: Os leptões mais conhecidos são o electrão e o neutrino; a cada leptão corresponde um anti-leptão. Há seis tipos de quarks definidos pelos seus “sabores”, constituintes dos hadrões, dos quais o u e o d estão na composição do protão e do neutrão (e, por conseguinte, 6 anti-quarks):
u (up)
d (down)
s (strange)
c (charm)
b (bottom)
t (top)
Os quarks estão “aprisionados” em “gaiolas” chamadas hadrões em resultado da força forte. Os hadrões são partículas compostas (não elementares) que “sentem” a força forte. A família dos hadrões engloba:
os bariões (que são fermiões) constituídos por 3 quarks cada um de sua “cor”. Por exemplo, o protão, o neutrão e o anti-protão.
os mesões (que são bosões) constituídos por um quark e um anti-quark. Por exemplo, os piões, os mesões rho.
Tudo extraordinariamente simples mas permanecem mistérios por resolver: o que é feito da anti-matéria que deveria existir algures e que desapareceu (assimetria bariónica)? E o bosão de Higgs, existe afinal? E, se existe, será que o conseguimos encontrar? Será que os Wimps, os hipotéticos constituintes da matéria negra, não querem mesmo interagir com a matéria ordinária? O que quer dizer que o vazio está cheio de energia concentrada? Ai não? Sabias que a massa de um metro cúbico de vazio é igual à massa de 1054galáxias?
Foram os corpos desenhos de caminhos traçados no labor dos dias úteis em vermelhas praias calorosas em lívidas luas friorentas. Aprumados cresceram entre penhascos e lonjuras atentos sempre à inclinação das noites. Com versos brancos na língua incendiados acrescentaram pele a outra pele. Depois veio o deserto e os corpos aprenderam novas sedes já não de águas correntes mas de estrelas. Do deserto ao dilúvio foi um palmo de vida e então os corpos se fizeram casco se fizeram vela e navegaram. Não se perderam. Eram eles o mapa da viagem
Licínia Quitério
Encontrei neste lindíssimo poema da Licínia as ideias chave, mas em bom estilo, daquilo que defendo neste lugar que procurarei resumir :
A metafísica remeteu o nosso ser para uma alma distante e anémica e condenou o corpo a cárcere, besta de carga, animal tarado e libidinoso. A metafísica instituiu a origem da ordem ( o monismo), o lugar dos seres e das coisas ( o céu, a terra e as ordens de seres viventes e sensientes) e distribuiu os recursos da Terra a cada um segundo os seu méritos ( a meritocracia de casta, de sangue, de raça que distingue cada um segundo a sua capacidade de saque). Para o monoteísmo (o capitalismo do sagrado) e o capitalismo (o monoteísmo do mercado) a vida do ser humano não tem que ser fácil e uns terão que ser condenados para que outros sejam salvos. Os caminhos estão traçados de antemão, só há que ler o manual e cumprir os procedimentos.
sedes...) de águas correntes
Ouvimos, nos dias de hoje, o estertor da metafísica agonizante. Não é uma morte certa e a curto prazo: é uma sucessão de mortes. Primeiro, a morte de deus; depois, os regicídios; agora, a morte do mercado; amanhã... dos amanhãs nada se sabe. A metafísica não morrerá, nem nos deixará em paz, se não retornarmos a uma ontologia topológica e naturalista.
Isto é, enquanto não puderem todos dizer, parodiando Gassett, "eu sou o meu corpo e os meus lugares".
Foram os corpos desenhos de caminhos traçados no labor dos dias úteis (...) Com versos brancos na língua incendiados acrescentaram pele a outra pele(...) os corpos se fizeram casco se fizeram vela e navegaram
E acrescentar: "eu seguirei os meus caminhos". E os corpos
A Patanisca esteve cá outra vez na última terça-feira. Deu para apanhar as abóboras e o tomate cereja, que já estava demasiado maduro e com os cachos pesados a quererem roçar o chão. O tomate foi para a arca e usámos uma abóbora de tamanho médio para fazer doce. O resto das abóboras irá ser conservado para fazer as sopas até ao próximo Verão.
A Patanisca chama à abóbora uma das "sete maravilhas botânicas comestíveis. Ri-se muito quando insisto em perguntar-lhe porquê e não me responde. Acho que é devido ao seu valor energético muito baixo e à presença de beta-caroteno, vitaminas E e C e potássio.
Foi uma tarde deliciosa a espremer água da abóbora depois de vários exercícios de esgrima a poder de falcata.
A confecção do doce é, por enquanto, um segredo que prometemos guardar. Ensaiámos uma técnica nova de conservação que conserva o máximo das propriedades da abóbora e requer muito pouco açúcar. Só poderá ser revelado depois de verificado o sucesso do empreendimento, lá para o início da Primavera, quando o produto estiver de conserva há cerca de meio ano. Foram guardados, e rotulados, alguns frascos adicionais para abrir daqui a dois anos.
Enquanto o preparado cozia, eu e a Patanisca dançámos rumbas e mambos e bebemos cubas livres. No fim foi escorropichar a compota para os frascos até ao rapar do tacho e ficar atentos ao processo de esterilização.