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A ÁRVORE (2)
Hoje vou debruçar-me sobre as três perguntas que deixei por responder no post anterior: Para que é que as árvores precisam de um tronco? Em que consiste um tronco? O que é que faz crescer e manter-se um tronco?
Para que é que as árvores precisam de um tronco? Em que consiste um tronco?
Vários motivos levaram a que algumas plantas se munissem de troncos rijos e flexíveis como meio de responder às adversidades da vida. Nenhuma prova sustenta a abstrusa ideia de que isso tenha sido desenhado de forma propositada, como um projecto saído de um laboratório de engenharia genética. Bem pelo contrário, as coisas foram acontecendo ao acaso de uma forma improvisada, quase atabalhoada, ao largo de milhões
de anos em que cada molde inadaptável às condições ambientais de cada época era rejeitado e os que sucessivamente se adaptaram se mantiveram através dos seus descendentes, até aos dias de hoje, tal como as conhecemos. A evolução do tronco, que originou o aparecimento das árvores, é um caso de notável sucesso.
Há várias razões para o aparecimento do tronco, mas focar-me-ei em duas que me parecem bastante pertinentes.
A primeira é que as árvores são danadas para expor as suas folhas ao sol e tudo farão para o conseguirem. A segunda é que certas árvores em certos períodos da história natural evitaram deixar as suas folhas e ramos tenros ao alcance dos herbívoros.
Um tronco é um mecanismo elevatório em muitos sentidos. Como a maioria dos caules, o seu primeiro papel é manter a planta erecta, orientando o seu crescimento na direcção do sol, como os girassóis (Helianthus annuus) e as zínias (Zinnia elegans) um exemplo das plantas herbáceas que anualmente vêm colorir o meu jardim. A diferença é que os caules das plantas lenhosas, os troncos, podem fazê-las crescer até cerca de 130 metros de altura (a estatura da maior árvore conhecida), mantento uma solidez, rijeza e flexibilidade que as põe ao abrigo das calamidades.
Em certos ambientes, tal como o crescimento em vales profundos ou a competição entre espécies do mesmo habitat, isso pode ser uma condição crítica para conseguir expor ao sol os seus órgãos aéreos que, como se sabe, são responsáveis pela produção de energia, transpiração, polinização e dispersão das sementes. Também, em épocas passadas, muitas árvores tiveram que se proteger da voracidade dos herbívoros colossais pré-históricos. A resposta foi fazer crescer ainda mais os troncos. E a contra-resposta foi corpos animais com mais volume, pescoços alongados, e mais necessidade de salada tenrinha para massas corporais crescentes. Essa é, sem dúvida, uma das razões que trouxeram à existência autênticos colossos que o olhar humano não consegue enxergar de uma só vez em toda a sua extensão. Mais cresceriam se aquelas alimárias não tivessem um dia desaparecido dando origem às galinhas e aos lagartos que se escondem debaixo das pedras.
Mas por-se em bicos dos pés para erguer as folhas na direcção do sol tem que se lhe diga pois há que garantir a circulação e o transporte ascendente, desde as raízes, da seiva bruta e o descendente da seiva elaborada (elaborada precisamente nas folhas mas destinada a alimentar indivíduos cada vez mais gigantescos). Para compreender como esta função é garantida há que olhar para o seu interior, descobrir a sua rede de canais (floema e xilema) e compreender a sua microarquitectura e fisiologia.
A principal contradição num tronco é que tem que ser ríjo e ao mesmo tempo flexível. Rijo para se manter de pé, como as colunas de um templo grego, seja o Parténon, ou romano como o caso do templo dito de Diana em Évora. A cobertura dos templos sossobra mas é quando sossobra a fé dos crentes que os templos morrem, mas as colunas lá ficam a testemunhar a sua grandeza de outrora. Quando morre uma árvore, salvo se é arrancada do seu leito, lá fica o tronco a testemunhar o seu passado grandioso.
As árvores têm que estar protegidas contra as calamidade que possam ocorrer: vendavais ciclónicos, formação de geadas, granizos e neve, enxurradas e alagamentos, calor excessivo e incêndios, movimentações do solo, só para referir aqueles que facilmente nos vêm à memória nestes tempos conturbados de alterações climatéricas. A flexibilidade é um requisito importante para as árvores responderem à força devastadora dos ventos ciclónicos. Se os troncos fossem rígidos como as pedras da colunata do Partenon, as árvores seriam arrancadas com facilidade e projectadas a quilómetros de distância como acontece agora nalguns casos com espécies plantadas pela mão do homem nos sítios errados. Um exemplo dessa flexibilidade é o caso de muitos ciprestes cujos troncos chegam a vergar até ao solo sem quebrar e que retomam o porte erecto passada a ventania.
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sobreiro (Quercus suber) | carvalho cerquinho (Quercus faginea) | azinheira (Quercus ilex) |
Na arquitectura de uma árvore é importante a forma como o tronco se relaciona com a copa e com as raízes, o que poderei abordar noutro post. Só para dar uma ideia, muitas espécies de coníferas presentes nas regiões do norte adoptaram formas cónicas que evitam que a neve se acumule sobre os ramos e os partam. Funcionam como um chapéu de chuva que se vai fechando à medida em que alombam com maior peso de neve. Quando esta se derrete e se derrama no solo, as copas retomam a forma normal. A forma dos nossos pinheiros não daria de certo para zonas nevadas, mas lá se vão aguentando como árvores de Natal sob o peso do algodão em rama que lhes pomos a figurar a neve.
Fica também para outra altura a questão das folhas e a razão porque há árvores de folha perene e árvores de folha caduca. O que faz uma árvore vestir-se e despir-se das folhas? Quando falarmos disso, abordaremos o caso particular da folhagem marcescente do sobreiro.
Para finalizar, teremos de considerar que a árvore não é apenas um indivíduo, é um ser social formador de um outro indivíduo, a floresta. A vida social na floresta é suportada pelos troncos na canópia e soterrada no solo pelas raízes. Assuntos interessantes, mas este post já vai muito longo e ainda ficou por abordar a interrogação O que é que faz crescer e manter-se um tronco?
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A ÁRVORE (3)
No post anterior abordei duas questões: Para que é que as árvores precisam de um tronco? Em que consiste um tronco? Em síntese, pode dizer-se que o tronco, através do seu alongamento, vai colocar as folhas numa posição que lhes permite uma exposição ao sol em excelentes condições, continuando a garantir a condução a grandes distâncias dos nutrientes que elabora através da fotossíntese e da água e minerais que capta do solo para os produzir. Os troncos possuem ainda a solidez necessária para aguentar o grande porte das árvores e, ao mesmo tempo, a flexibilidade para aguentar o impacto dos ventos e da neve. Mas ficou adiada a resposta à seguinte pergunta:
O que é que faz crescer e manter-se um tronco?
A resposta que imediatamente me vem à cabeça é extraordinariamente simples: a madeira.
A madeira, ou o lenho na linguagem dos botânicos e arboricultores, é uma mistura química de celulose, lignina, taninos, resinas e muitas outras substâncias. Esta mistura dá-lhes as características que a tornam útil na indústria do papel, na construção de casas e de barcos, no mobiliário e na estatuária.
O componente básico do lenho, que o torna funcional e forte, é o tecido condutor, a canalização básica da planta, constituído pelo xilema e pelo floema, que provêm da actividade do meristema primário. De passagem, em breve nota, refira-se que os meristemas são tecidos que contêm células indiferenciadas, que se assemelham às células estaminais dos embriões dos animais devido à sua capacidade de diferenciação, autorrenovação e divisão.
Vejamos, entretanto, como é que se faz o crescimento nas árvores. As árvores crescem de duas maneiras: na vertical e na horizontal. É um pouco como nos seres humanos que, enquanto jovens, crescemos para cima; a partir da maioridade cessamos de crescer para cima e começamos a crescer para os lados, sobretudo na zona abdominal.
Comecemos pelo primeiro. Qualquer planta, mesmo uma herbácea, tem um crescimento em alongamento a partir das suas extremidades apical e radicular: é o chamado crescimento primário. Dado que a maioria das plantas tem um porte erecto - herbáceas anuais como o girassol ou a cana, e lenhosas perenes como o pinheiro ou o sobreiro - o crescimento primário dá-se, geralmente, na vertical: para cima, geralmente na direcção da luz, através do alongamento do caule; para baixo, perfurando o solo à procura de água, através do alongamento das raízes. O crescimento primário é feito à custa dos tecidos primários e cessa com a maturação destes. O xilema primário dispõe os elementos condutores em feixes vasculares ou feixes lenhosos que se espalham por toda a planta, uma massa de tubos que que assegura o transporte da água com os minerais dissolvidos (seiva bruta) desde as raízes até às folhas, como as canalizações das nossas casas. O floema consiste em cadeias de células que carregam os produtos da fotossíntese (seiva elaborada) partindo das folhas em todas as direcções para o resto da planta - ramos, caule, raízes.
As plantas lenhosas apresentam, em acréscimo, um crescimento secundário. Nas áreas mais antigas do caule e das raízes, que já não sofrem mais alongamento, dá-se um espessamento, um aumento em circunferência. Tecidos secundários adicionais são acrescentados às partes mais velhas da planta pela reactivação dos meristemas laterais ou cambia: o cambium vascular e o cambium da casca ou felogene.
O crescimento secundário nos caules é assinalado pelo aparecimento de cambium vascular entre os feixes primários de floema e xilema. As partes mais velhas do lenho perdem a função de transporte e de reserva, o xilema fica completamente morto no núcleo da árvore e o floema esmagado do lado de fora. A madeira é, precisamente, o xilema secundário.
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Pimenteira-bastarda |
Espinheiro-da-Virginia |
Oliveira |
Se cortarmos um tronco, observaremos que o miolo, a parte mais interna do lenho, formada por xilema completamente morto, comumente embebido em taninos e resinas, também é mais escura. É o cerne (em inglês "heartwood"), duramen ou lenho inactivo (madeira morta). Externamente, observa-se outra parte mais clara, o novo xilema que assegura a condução da seiva bruta. É o alburno (em inglês "sapwood" - porque de facto é cheio de seiva) ou lenho activo (madeira viva).
Nas madeiras de árvores de climas temperados e mediterrânicos, o cambium têm uma atividade sazonal: no início da estação de crescimento produz o lenho inicial ou lenho de Primavera, e no final da estação o lenho final ou lenho de Outono, mais escuro do que o de Primavera. O somatório das duas camadas de lenho constitui um anel lenhoso ou anel de crescimento, revestido por células vivas, protegido no exterior pela casca seca (ritidoma). É através dos anéis de crescimento concêntricos que é possível medir a idade das árvores, como se pode ver nas ilustrações abaixo colhidas em visitas que fiz a museus de jardins botânicos.
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Museu do Krakow Ogród Botaniczny. | Museu do Jardin des Plantes | |
Cracóvia, Polónia, 19 de Maio de 2016 | Paris, 23 de Maio de 2016 |
O cerne, a parte mais dura e imputrescível do tronco, forma o esqueleto da árvore e permite, assim, que ela se torne grande. O floema esmagado, do lado de fora, é incorporado à casca, fornecendo protecção ao tronco.
O cambium da casca irá, por seu lado, produzir a periderme que inclui o suber (felema), um tecido de células mortas na maturação, espessadas com suberina, uma substância hidrofóbica, por vezes complementada com lenhina. Muitas árvores, como o sobreiro (Quercus suber), têm ainda uma camada de câmbio secundário, fora da camada principal do câmbio, com o fito específico de produzir cortiça. As células de cortiça morrem à nescença, pequenas, com paredes celulares grossas e impermeáveis, o que torna a cortiça leve, à prova de água e de fogo e ajuda a repelir pragas. As árvores que têm maior probabilidade de serem expostas ao fogo, como os sobreiros, tendem a ter uma cortiça mais espessa.
Vou ceder à tentação de contar, a propósito, um incidente por que passei vai para uns 20 anos. Quando comecei esta vida de campesino, sabia disto pouco mais que nada. Um dado fim-de-semana, quando andava cá e lá entre o Tremontelo e Lisboa, deitei fogo ao terreno, sem querer e por pura azelhice. Estava calor e as ervas estavam palha. Rapidamente, as labaredas lamberam o terreno, inculto, de uma ponta a outra e extinguiram-se quando esgotaram o material combustível. Felizmente, não passaram, por sorte ou necessidade, para além do que hoje é o Eixo Norte-Sul, alastrando para a mata. A única árvore a que se apegaram foi a um jovem sobreiro meio raquítico que ali estava meio abandonado, cabisbaixo e amedrontado. Solitário, teimava em não crescer. O pobre ficou de tal maneira que cheirava a cortiça queimada a grande distância. O sobro parecia alcatrão. Ficou depenado, sem uma folha, e com as pontas dos galhos todas devoradas pela ganância das chamas. Rezei vários requiems por aquela alma penada e evitei, durante uns tempos, pôr-lhe os olhos em cima. Se tive por ele alguma comiseração, tive-a mais por mim, pela minha estupidez e pela facilidade com que, por vezes, lhe cedo.
Passaram-se tempos e o incidente caíu no olvídio. O desgraçado ali ficou mas deixei de reparar nele. Certo dia calhou olhar para o sobreiro com olhos de ver. Tinha-me posto a descansar à sua sombra, pois era um oásis de fresquidão no meio da canícula. Mas não era suposto haver sombra, ocorreu-me num daqueles pensamentes fulminantes e cortantes que se intrometem nos nossos devaneios. Olhei mesmo com olhos de ver. Estava um rapazão na força do vigor: tronco bem erecto e bem espessado de músculo, uma copa larga em umbela cheia de folhas verde-brilhante. Pasmei. Não só escapara à morte pela fogueira como se tornara um dos mais belos exemplares do meu sobrado.
Saber mais:
- Tecidos
- Morfologia do Caule
- Museu do KOB (galeria de fotos)
- Galeria de Botânica do JPP (galeria de fotos)
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Tem sido sempre assim, portanto assim será. De vez em quando, recolho-me a um canto, desenterro o lápis e o papel, e desato a escrever um postal. É caso raro, que depende mais de condições exteriores do que de estados de alma. Desta vez, começou o Verão. Veio de mansinho, com patas de veludo. Chove, mas não incomoda: Até é musical o som das gotas a caírem. Está escuro, mas a mata filtra a luz electrizante. Está frio, uma frescura agridoce.
Dizer que puxo do lápis e do papel é uma metáfora que não é bem metáfora. Uso agora uma Apple pencil e comprei uma app que funciona como papel electrónico. Pensei que ia levar muito tempo a aprender a conhecer a minha letra mas enganei-me redondamente. Fiquei boquiaberto. Agora faço salganhadas e dou erros de propósito para ver aparecer no ecrã do iPad o que estou realmente a decidir escrever.
Desde o último postal até agora aconteceu muita coisa. Na minha vida, no meu derredor e no Mundo. Não me vou queixar da vida por respeito para com as vítimas das calamidades que por aí grassam. O ambiente enlouqueceu - e com razão! - e a humanidade está a ser governada por sociopatas.
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71 é o meu número mágico de hoje. É uma bela soma, dir-me-ão. Bela, sim; mas soma, acham? E, antes, uma subtracção.
Enchi-me de coragem e decidi sair da minha mata, no bairro, e ir para uma quinta na lezíria. Fiz a mala, peguei na Graça e vim passar duas noites a este belo hotel com vacas, cavalos, burros, cabras, ovelhas e porcos.
Vista daqui, a Terra é imensa e plana. Aqui, andam na apanha da batata; lá, o milho cobre a paisagem de um verde intensamente vegetal. Mais perto, em leiras de terreno arenoso, protegidas por plásticos pretos, espreitam tomateiros com as suas ridículas flores amarelas, a rama densa das cenouras, as folhas farfalhudas dos feijoeiros, beringelas assentam barrigas cerúleas reluzentes na insignificância do plástico, os morangueiras deitam frutos carmim para sul e flores brancas para o norte - vá-se lá saber porquê, aboborinhas, grandes couves-repolho, couves-coração e couves-lombarda, separadas a intervalos regulares por laranjeiras e pereiras.
Ontem, sob o manto refrescante das densas nuvens, rescendia um bafo tépido de ar. Depois de uma banhoca frugal na piscina da quinta, tirámos fotografias e fomos dar uma volta por Alpiarça e Almeirim.
Jantámos na cozinha do apartamento uma salada ricamente improvisada regada a Gância prosecco. Nada direi, nem duma, nem doutro, que manjares divinos não se descrevem por palavras. Só eles se descrevem a si próprios. O almoço foi uma pequena variante em torno do cristalino espumoso que restara. Não sei que bendita sonolência me deu que me pôs aqui a escrever a soluços, com a escrita intervalada por ligeirezas oníricas destacadas, provavelmente, a roncos multissonoros.
A Mia, a gata da casa, também ali dorme à nossa porta escarrapachada nas alturas do mobiliário do pátio.
À noite, o jantar será no restaurante recomendado, daqueles ciciados junto ao lóbulo da orelha porque longe dos roteiros turísticos. E para que longe se mantenham.
Amanhã, será dia de começar a aproveitar a nova anuidade fruindo ao máximo de tudo a que tiver direito.
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A máquina estremece, esperneia, dentro da frágil urna de carne e ossos. Ouvem-se os seus batimentos, descompassados do tic-tac do relógio barato a pilhas. Ansiedade, do verbo latino ”augere “, estreitar. É um aperto do Eu, um estreito que a frágil embarcação teme transpor.
Eu sou árvore, de quem as aves são íntimas. Adoro ouvir as aves a tagarelarem nos meus ramos. Adoro ouvir os sons de outros continentes trazidos pelo ventos. Mas adoro, mais do que tudo, aprofundar as minhas raízes solo adentro e tagarelar com outras raízes que vou encontrando na minha peregrinação subterrânea, como no encontro e afago dos pés dos amantes por debaixo dos lençóis. Sou árvore, e no meu ser não existe qualquer vontade de me desprender e de esvoaçar acima do solo. Apenas basta estirar-me ao sol e absorver a luz.
O mundo não é um espaço continuo. A nossa presença é uma fissura entre o mundo que foi e o mundo que está para vir. E é quando essa fissura se estreita, e sentimos o aperto entre o passado e o devir, que se instala a ansiedade. Esmaga-nos a dor de sentir o futuro tão próximo do passado.
É assim com as viagens: o tempo de preparação é infindo, gastamos-nos todos no que está para vir. Depois, na hora, vai tudo de empurrão, à revelia dos planos, como a entrada para a carruagem do metro em hora de ponta.
Lá em cima nos ares que se afastam do oceano, o chão é o piso de um minúsculo planeta interior e somos depositados num lugar confinado. O aperto no espaço dilata o tempo, é uma hérnia discal a comprimir o nervo do tempo.
À chegada é o estreitamento das filas e o esmagamento e a paranóia das fronteiras. É a doença do cérebro humano isto de a tudo impor fronteiras. O tempo das tribos retorna com frequência e traz consigo o cortejo de guerras e religiões, chefes adorados e ódios de estimação. Na há outra coisa a fazer senão viver com isso: é assim o cérebro animal, multinivel, hierarquizado e autocrático. As árvores, que não andam de cabeça no ar, têm um cérebro profundo, enraizado, horizontal, entrelaçado com todos os outros cérebros da floresta em comunhão profundamente democrática.
Chegar, na viagem, não é tudo. É a angústia de pensar que toda a viagem tem o retorno. E nesse retorno volta a repetição do mesmo. Após o regresso, o espaço fecha-se, então, à nossa volta suturando o vazio do desenraizamento. E o mundo transforma- se outra vez em floresta. E brota, uns tempos depois, a saudade da viagem quando retornam as aves migradoras e se instalam a tagarelar nos ramos.