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O primeiro dia em Krakov foi nebulosa e teimosamente chuvoso. Calcorreei a cidade velha que, por ser circular, me obrigou a cruzar duas e três vezes os mesmos sítios. Não por ser perdido, timbre que me ficou mais por devaneios e elucubrações mentais do que por desvios em passeatas urbanas, em que erros, fortuna e amor se conjuram para nos infernizar o dia, mas por razões bem mais nobres que o bom nome, que devo defender, fazer respeitar e deixar ao abrigo de qualquer suspeita de insanidade, requer que sejam cientificamente fundamentadas. Pois dá-se o caso que estes percursos, aparentemente enovelados, ajudam a consolidar o mapa mental. Ora, o mapa mental, como se sabe, é construído predominantemente por processos bottom-up através de múltiplas hiperligações ponto a ponto, apesar dos bons serviços top-down que nos prestaria o Google se houvesse Wi-Fi em toda a cidade ou os antiquados mapas em papel se não tivessem a mania patológica de se enrolarem nos fundos da mochila.
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O almoço de hoje chez Nicole, uma senhora muito querida, mãe de uma amiga nossa muito querida também, foi agressivamente copioso e generosamente apaladado e terminou, depois de um café com um cheirinho, com o serviço bastante liberal de um Calvados, um genuíno artefacto de extracção rural. A chuva estragou os planos de visita ao roseiral local.
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In illo tempore, isto é, quando era novo, comprava o postal ilustrado, escrevia-o e levava-o aos correios para o selar e enviar. Os tempos mudaram, o tempora o mores! Hoje, começo por escrevê-lo, primeiro um esboço, que lhe dá unidade e sentido e lhe acrescenta a memória dos pormenores, mantendo também a frescura do vivido e do emovido, fica ali a marinar numa quase vida de bela adormecida, para vir a sair do torpor da sua existência digital uns tempos depois, sabe-se lá quando, com umas sacudidelas de actividade mental que lhe preenchem os ossos com carne, que não chega a ser labor de artista, reflexidade de filósofo, objectividade de repórter, ironia de retalhador da vida social, observação de naturalista ou queixume de narcisado, que é um pouco ou nada de tudo isso, como aquelas belas mantas que se tecem de farrapos velhos.