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Tenho um quadro a giz num lugar a que chamo a minha cabeça. Não é bem "na cabeça", é num lugar atrás da nuca não sei bem a que distância, onde eu rascunho os meus pensamentos e guardo os meus apontamentos da escrita que nunca farei. É um quadro a giz embora não seja bem quadro nem tenha giz. É uma maneira de falar para dizer que vou escrevendo coisas por cima de coisas. Se escorrego e roço com o braço no quadro que tenho na cabeça, lá se vai o registo de um pensamento, de um modo de sentir ou de um dado preciso referente a qualquer coisa que já foi importante - um número de telefone, uma senha informática, o título de um livro, uma data, o comprimento de qualquer coisa que deverei comprar à medida, a referência de um produto.
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No momento em escrevo este artigo ainda se mantem acesa a polémica em torno dos caderninhos de exercícios de férias para meninos e para meninas da Porto Editora. Conheço a matéria mais pela polémica gerada nas redes sociais do que pelos livrinhos, que nunca vi a não ser de esguelha. Ao que parece, um é azul e o outro rosa, cores com que os pais marialvas identificam o menino e a menina. Pior do que isso, os caderninhos propõem, para os meninos, tarefas cognitivamente complexas, estereotipicamente associadas a papéis masculinos socialmente valorizados, e, para as meninas, o inverso.
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Ele é um grande preguiçoso para escrever, estou eu a ouvir a voz interior do meu pai, ele que era um aficcionado da empresa dos correios para que trabalhava e um apóstolo da comunicação escrita à distância de um selo. Mais o proveito que a fama, que até tinha a fama de escrever com facilidade e de escrever bem, me acompanhou a vida toda, desgraçando-me namoros e outras oportunidades para me comprometer com a vida social. O que mais me moe a consciência é saber do desgosto, ou seria desilusão, ou apenas uma ligeira tristeza, que o meu desleixo provocava no meu pai que se batia com zelo evangélico pela suprema dignidade do objecto postal.
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AS ESTAÇÕES DO ANO (1)
O solstício de Inverno
Ao período que o Planeta leva a descrever uma translação à volta do Sol nós chamamos um ano. Ao período que o Planeta leva a descrever uma rotação em torno do seu eixo nós chamamos um dia que é composto de dia e de noite.
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A ÁRVORE (1)
A grandeza e a árvore
É um prazer passear à noite em dias temperados ou quentes, no caminho serpenteante da mata de sobreiros. Tirando as noites de lua cheia, que é como fazer o caminho com a iluminação eléctrica acesa quando estou acompanhado, vê-se, ao lusco-fusco, sob a canópia escura dos sobreiros, troncos plantados aleatoriamente, raras vezes rectos, com as pernadas tortuosas a projectarem-se nas copas. Aqui e além, entre os raros clareamentos a cintilação de algumas estrelas. Junto aos troncos as silhuetas de alguns arbustos. Ainda mal se despediram as vozes das aves diurnas e já estão as nocturnas em actividade regular. Ouvem-se grilos e outros insectos ruidosos. De todos os lados vêm os sons dos estremecimentos das folhas, do ranger dos ramos, e de uma actividade multiforme de uma multidão de formas de vida anónimas.