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Tenho um quadro a giz num lugar a que chamo a minha cabeça. Não é bem "na cabeça", é num lugar atrás da nuca não sei bem a que distância, onde eu rascunho os meus pensamentos e guardo os meus apontamentos da escrita que nunca farei. É um quadro a giz embora não seja bem quadro nem tenha giz. É uma maneira de falar para dizer que vou escrevendo coisas por cima de coisas. Se escorrego e roço com o braço no quadro que tenho na cabeça, lá se vai o registo de um pensamento, de um modo de sentir ou de um dado preciso referente a qualquer coisa que já foi importante - um número de telefone, uma senha informática, o título de um livro, uma data, o comprimento de qualquer coisa que deverei comprar à medida, a referência de um produto.
Isso é assim quase todo o ano. Mas há dias em que não. O lugar do quadro a giz transforma-se num cubículo de projecção de filmes mudos. Não são bem filmes, mas colecções de restos de película colados uns aos outros à toa. São mudos de palavras, sejam elas apenas faladas ou escritas como nas legendas. Não lhes presto muita atenção. Se me refugio nesse canto da cabeça é porque está tudo às escuras e não entra lá o ar de Agosto.
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No momento em escrevo este artigo ainda se mantem acesa a polémica em torno dos caderninhos de exercícios de férias para meninos e para meninas da Porto Editora. Conheço a matéria mais pela polémica gerada nas redes sociais do que pelos livrinhos, que nunca vi a não ser de esguelha. Ao que parece, um é azul e o outro rosa, cores com que os pais marialvas identificam o menino e a menina. Pior do que isso, os caderninhos propõem, para os meninos, tarefas cognitivamente complexas, estereotipicamente associadas a papéis masculinos socialmente valorizados, e, para as meninas, o inverso.
Ora, num país em que o analfabetismo é uma marca cruel e visível em todos os estratos sociais e em todos os níveis de escolaridade, em que o desemprego jovem é elevadíssimo e os novos empregos são escravatura camuflada, em que o Estado está no bolso dos grandes interesses corporativos e dos velhos e novos muito ricos, em que não há lei e a que há é confusa ou não se cumpre, desgraças domésticas para não falar das muitas ameaças globais, os polémicos caderninhos apareceram a ocupar o papel da grande distração nacional geralmente atribuído ao futebol e a acontecimentos menores, como os festivais musicais e as peregrinações a Fátima. O assunto, que para mim vale tanto como o queimar dos soutiens das feministas dos anos 70, parecia ter acabado depois de a editora suspender o lançamento dos polémicos caderninhos. Parece que não.
Também parece é que há cada vez mais pessoal a dizer por aí, nas tascas e no Facebook, que o que nos faz falta é um Trump, que é como quem diz um Salazar, para acabar com esta merda toda. Esse é um caminho perigoso, mas não se pode deixar de reconhecer o asco que provoca o simplismo, a insipidez e o extremismo dos temas fracturantes. Confesso que me assusta quando os vigilantes do "politicamente correcto" se identificam com os que justificam e apoiam o Maduro e a Coreia do Norte e outras desgraças do nosso século. E pergunto-me: aonde já vi isto? Aonde isto vai parar? E concluo que o mundo é um lugar muito perigoso.
Então, que não se fale mais das coisas do mundo e voltemo-nos para coisas reais, por exemplo para os meus gatos.
A bem dizer, os meus gatos não são meus; são apenas gatos a quem dou acolhimento. Vão e veem livremente. Muitos, talvez dezenas, nasceram por perto, foram criados aqui e, passado um ano ou dois, desapareceram para não mais voltar.
Actualmente, Bastet seja louvada!, só dou acolhimento a 5, que isto de ter que gerir um orçamento, garanto-vos, não é brincadeira.
Sobretudo os gatos, o Tixa, o Caracol ('Gay') e o pequeno Donald, estão numa fase em que quanto mais comem e mais engordam, mais exigem, em quantidade e em qualidade. As gatas, a Chixa e a Amarela (a mãe dos dois 'lagartixas'), comem bem mas, de quando em vez, ausentam-se, dão longas passeatas e vão à caça. Quando lhes ponho comida, os machos são os primeiros ao ataque (é a sua vantagem no 'espaço público'), enquanto elas, um pouco recuadas e discretas, esperam pelos lugares que eles deixaram vagos (familiaridade com o 'espaço privado').
Se fosse politicamente correcto, deveria matar um macho e impor a igualdade física do género, ficando de bem com a Comissão, mas mal para o Partido dos Animais. Ora, pensando que o 'Gay' talvez não conte por jogar nas equipas da 3ª divisão, que tem imensas variantes de identidade de género, deixei ficar as coisas como estão. O júnior dos machos, o Donald (em honra do seu homónimo americano com pêlo da mesma cor), é um maluco espalha-brasas narcisista e, pela evolução que o seu caso está a tomar, está a encaminhar-se, em termos de identitários, para um perfil sexual auto-erótico. Afinal de contas, até as duas fêmeas são diferentes: a Amarela é discreta, apagada e de uma sobreprotecção placentária - La Mama - a mãe dos tixas, a mãe e avó do Donald e tia do Caracol. A Chixa é muito arrapazada e, depois de lhe ter vindo a idade, ainda não conheceu macho que os das redondezas só aparecem aqui a correr atrás da Amarela, trepando atrás dela pelos sobreiros acima a chorar como bebés.
Fiz bem em não tomar decisões precipitadas. Cada um tem a sua identidade e nisso eu não me meto, é lá com eles. Afinal o género conta muito pouco para a identidade. A única coisa que sei é que dois têm os tomates para dentro (invaginados como se diz em linguagem médica), dois têm os tomates para fora (evaginados) e um tem os tomates a meio caminho, hesitantes como é próprio da idade. O resto são diferenças de temperamento - devidas talvez aos seus recursos pedagógicos "adotarem e projetarem uma imagem" não equilibrada e estereotipada das gatinhas e dos gatinhos .
O País está cheio de boas consciências vigilantes da consciência alheia, já o meu pai me falava disso quando eu era pequenino. Além de haver a Pide, a Censura e a Legião, eram aos milhares ou milhões os informadores e as paredes, ao que dizem, também tinham orelhas. Coisas velhas, herdadas das instituições católicas de há séculos que lutavam pela pureza da fé. Onde se terão metido os informadores depois do 25 de Abril?
Desconfio que ainda vou ser denunciado por usar pratos de cores diferentes para alimentar os gatos. Que culpa tenho que os hipermercados não vendam pratos cinzentos, a cor em que este País se está a tornar?
Quanto a livros, por mim já fiz uma pira de fogo com os livros para gatos da Porto Editora. Os livros chegam a ser tão maus para os bichos como são para os humanos. Nada de livros! Pronto! Acabou-se! Durmam os vossos sonhos metafísicos até a campainha vos chamar para refocilarem na manjedoura.
Quanto à questão do orçamento, não por causa do orçamento mas por causa da igualdade do género, vou impor quotas alimentares para os gatos não comerem mais que as gatas. Tenho que arranjar pratos separados, um medidor de comida e trelas para manter cada um no seu prato.
E assim teremos uma sociedade igualitária na quinta dos animais.
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Ele é um grande preguiçoso para escrever, estou eu a ouvir a voz interior do meu pai, ele que era um aficcionado da empresa dos correios para que trabalhava e um apóstolo da comunicação escrita à distância de um selo. Mais o proveito que a fama, que até tinha a fama de escrever com facilidade e de escrever bem, me acompanhou a vida toda, desgraçando-me namoros e outras oportunidades para me comprometer com a vida social. O que mais me moe a consciência é saber do desgosto, ou seria desilusão, ou apenas uma ligeira tristeza, que o meu desleixo provocava no meu pai que se batia com zelo evangélico pela suprema dignidade do objecto postal.
E não é que não tenho emenda? Desde Agosto sem vir aqui escrever um postalito, lamber o selo digital e enviá-lo à velocidade de um clique. Também não respondi à Justine, uma correspondente à séria, que sabe entender-me em todos os 4 níveis possíveis de leitura, o sentido literal, o segundo sentido, o sentido oculto e o não-sentido. Agora, é a Graça que pede mais escrita como quem encomenda livros na Amazon. Dá para entender que sou mesmo um grande preguiçoso para escrever.
De Agosto para cá passou-se muita coisa, claro. O homem não foi à Lua, não foi descoberta nenhuma cura radical para o cancro, a humanidade não se uniu para erradicar a pobreza e a disparidade de oportunidades, não foi invertido o ciclo de destruição do planeta-mãe. Pelo contrário, por cá houve incêndios e seca, toda a gente culpou toda a gente, como é natural deste povo, ganhámos muitas coisas saindo do lixo e do anonimato para a boca dos povos, andamos por cá todos bem a darmos ares de gente importante, falamos tu cá, tu lá, com os donos disto tudo e com os senhores do mundo. Grandes como somos, descobrimos a imensidade da teia de corruptos muito à medida da nossa grandeza e novorriquismo recentemente alcançados. Lá fora, quem manda no mundo são os doidos varridos. Não vou nomeá-los, toda a gente que vê televisão sabe a quem me estou a referir. Quem põe e dispõe dos mandantes são os chacais do grande capital e das máfias. Tudo o que se ganhou desde o fim da última guerra mundial está a esboroar-se e a desaparecer: o estado-providência, o estado de direito, o estado laico, o estado democrático. Só nos resta o estado a que isto chegou.
Aqui no Tremontelo passou-se muito pouca coisa: primeiro, veio a calor e deu cabo disto tudo; depois, veio a geada a acabou o servicinho. Agora, que despontam os primeiros calores do ano e o dia se deita mais tarde, as ervinhas que se haviam refugiado debaixo do solo, como é hábito dos refugiados em tempos de guerra, começam a vir à superfície, numa tal abundância que me mantêm o dia ocupado a mondá-las. Na última semana foi o clímax do desatino felino. Hordas de machos de unha afiada a provocar os machos de cá e a fazerem-se às damas. Até o "Gay" saltou para cima da prima, vejam lá. A comida que lhes ponho lá fica a murchar nos pratos, tão pouca é a fome do estômago que a outra fome impõe. Vorazes, papam as gatas e o desgraçado do "Gay" que até já lhes foge para cima do sobreiro ao lado da casa, onde fica a maior parte do tempo como o bardo da aldeia do Asterix. O Tixa andou desaparecido uns tempos, mais de uma semana, depois lá voltou esfomeado. Durante dois dias comeu do seu prato e do prato dos restantes e depois lá voltou, sabe-se lá para onde e ainda não apareceu.
O Inverno andou frio e, alguns dias, muito chuvoso. Muito do meu tempo foi passado dentro de casa. Os afazeres de uma casa ocupam o tempo todo mas alguns tornam-se praticamente agradáveis quando está frio, como passar a roupa a ferro ou fazer assados no forno. À noite é mais a ver televisão no 2º canal porque todos os outros são uma merda viscosa e nojenta mesmo quando não dão futebol. A ver é como quem diz. A dificuldade é sair de ao pé do borralho e ir dali para a cama, com o pescoço todo dorido das cabeçadas no vazio, e ter que despir todas as camadas de roupa e vestir o pijama, tomar os comprimidos para a velhice e lavar os dentes, obrigação a que geralmente me furto a desoras. E o que faço no tempo restante? Olha, entretenho-me no portátil com o Portal das Angiospérmicas. Ele é tratar das fotografias, reformular a estrutura ou o aspecto do site, completar os artigos ou iniciar novos, pesquisar todo o tipo de informação sobre cada espécie de plantinhas, aprofundar conhecimentos de botânica e de horticultura, tudo isto sabendo que não existe o olho divino que acompanhe e avalie a minha produção e que, jamais, qualquer ser humano transumante do ciberespaço venha a tomar conhecimento da sua existência.
É quando dou por isso que me ponho a pensar sobre a condição humana. Podíamos fazer como os gatos: limitarmo-nos a viver. Mas não, temos a mania de acrescentar à vida, que não tem utilidade, esta preocupação de fazer sites só porque sim. Porque é a fazer sites, ou a fazer outra inutilidade qualquer, que descobrimos que somos, quem somos e que somos o quê. Ou, pelo menos, tentamos descobrir. Sobre mim só descobri que somos muitos, uns que escrevem e outros que leem. E cá vamos contando estórias uns aos outros como velhotes reformados a jogar à sueca nas mesas de pedra do jardim público. Quando nos deitamos, só pensamos em nos levantar cedo para ir ao encontro dos outros nos bancos do jardim. Assim se passam os dias. As madrugadas a sucederem-se às noites.
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AS ESTAÇÕES DO ANO (1)
O solstício de Inverno
Ao período que o Planeta leva a descrever uma translação à volta do Sol nós chamamos um ano. Ao período que o Planeta leva a descrever uma rotação em torno do seu eixo nós chamamos um dia que é composto de dia e de noite.
Felizmente, a trajectória em torno do Sol não é circular senão não teríamos diferenças de estações, os dias seriam todos iguais e a vida não seria o que é na Terra. Ora, sendo a órbita elíptica, e a inclinação da Terra variar em relação
ao seu plano orbital, há dois dias durante o ano em que os períodos diurno e nocturno têm exactamente a mesma duração. Aos pontos da órbita em que isso ocorre, em Março (20) e em Setembro (22-23), chamamos equinócios. Onde vivo, no hemisfério Norte e em zonas temperadas, estes definem, respectivamente a Primavera e o Outono boreais. Nos restantes dias do ano, quanto mais nos afastamos dos equinócios, mais os dias são desiguais. A partir do equinócio de Março os dias são mais longos do que as noites, as sementes germinam e a maioria das plantas floresce, e a partir do equinócio de Setembro os dias são cada vez menores do que as noites. Aos pontos em que o período diurno é máximo e é mínimo chamamos solsticios, respectivamente o de Junho (20-21) em que ocorre o Verão e o de Dezembro (21-22) em que ocorre o Inverno, devido à maior ou menor incidência solar neste hemisfério..
Não se percebe porque começa o ano arbitrariamente um pouco mais do que uma semana após a data do solstício do Inverno, pois a partir desta data o Planeta passa a receber mais insolação e a aquecer, iniciando um novo ciclo de vida. Mas também não se percebe por que razão os solsticios e os equinócios separam as estações e não são, pelo contrário, os dias centrais de cada estação: por exemplo, o período nocturno 7 (ou 23) dias depois do solstício de Dezembro é igual ao período nocturno 7 (23) dias antes dessa data, etc. Creio que teríamos, assim, uma descrição melhor do que ocorre na natureza.
A ideia que subjaz à organização das celebrações no passado tem a ver provavelmente com a mitomania teológica à volta do Sol, as religiões solares. O Sol tende a ser encarado e divinizado como fonte de vida (o que é verdade no que respeita à fotossíntese e ao aquecimento dos animais de sangue frio). Esta concepção encarnou no mito de Mitra, a divindade solar cujo nascimento era celebrado a 25 de Dezembro, trazido do oriente por Alexandre o Grande, e reencarnou no Império Romano com o culto do Sol Invictus que passou a presidir ao panteão dos deuses romanos em 274 com o imperador Aureliano, e que era celebrado também a 25 de Dezembro. O seu símbolo era as letras Ki Rô (na escrita grega XP) sobrepostas.
Quando os judeus imigrantes da seita do nazareno Joshua (vulgar Jesus) contaminaram o estado romano e se apoderaram das suas rédeas, o Dies Natalis Solis Invictus, passou a ser celebrado como o dia do nascimento de Jesus, agora apelidado de Cristo (XPISTOS) e o símbolo Ki Rô passou a ser um dos identificadores dos "cristãos", a nova seita que dominou Roma, perseguiu cruelmente os que permaneceram fiéis às antigas religiões, promoveu as cruzadas, criou a inquisição, patrocinou a escravatura, a colonização e o genocídio à sombra da expansão da "Fé e do Império", envolveu-se em cisões e cruentas guerras intestinas, patrocina o obscurantismo e a pedofilia, protegendo os fortes e poderosos, amando os próximos e odiando os distantes.
O Natal das vaquinhas e dos burrinhos, dos pastores e dos magos é a PRIMEIRA FAKE NEWS DA HISTORIA DO OCIDENTE! Mais coerente é a árvore de Natal, o pinheiro que ainda se queima no centro de algumas aldeias no interior do País e que fica a arder durante toda a quadra natalícia. Tal como as equivalentes fogueiras de S. João, a árvore e o fogo simbolizam nos solstícios o Sol no expoente máximo da sua actividade ou no seu declínio e renovação.
O Inverno parece ser o lugar da desolação. As árvores, imponentes, cobertas ou não de folhas, destacam-se na paisagem. Um dos próximos postes será sobre elas.
Para todos, um bom solstício de Inverno.
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A ÁRVORE (1)
A grandeza e a árvore
É um prazer passear à noite em dias temperados ou quentes, no caminho serpenteante da mata de sobreiros. Tirando as noites de lua cheia, que é como fazer o caminho com a iluminação eléctrica acesa quando estou acompanhado, vê-se, ao lusco-fusco, sob a canópia escura dos sobreiros, troncos plantados aleatoriamente, raras vezes rectos, com as pernadas tortuosas a projectarem-se nas copas. Aqui e além, entre os raros clareamentos a cintilação de algumas estrelas. Junto aos troncos as silhuetas de alguns arbustos. Ainda
mal se despediram as vozes das aves diurnas e já estão as nocturnas em actividade regular. Ouvem-se grilos e outros insectos ruidosos. De todos os lados vêm os sons dos estremecimentos das folhas, do ranger dos ramos, e de uma actividade multiforme de uma multidão de formas de vida anónimas.
À primeira vista uma árvore, como um sobreiro ou um carvalho-cerquinho, é uma planta terrestre que difere das demais plantas terrestes pela simples razão de ter um enorme pau em madeira (o caule) a unir os órgãos subterrâneos (raízes) aos órgãos aéreos (folhas, frutos ou cones, frutos). Para sermos consequentes com esta definição poderíamos ser levados a concluir, erroneamente, que (i) "todas as plantas de estatura elevada são árvores" ou que (ii) "todas as árvores têm uma estatura elevada". Ora, não é esse o caso.
O lenho e a árvore
Em primeiro lugar, há plantas de grande envergadura que não são árvores. Tal é o caso das palmeiras, das bananeiras, dos bambus, de alguns cactos, dos fetos arbóreos ou de algumas euforbiáceas. As palmeiras (da famíla Arecaceae) têm um caule do tipo 'estipe'. Tive no jardim três palmeiras das Canárias (Phoenix canariensis) que foram atacadas em anos sucessivos pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus) que as deixou ocas, com as folhas a soltarem-se e a libertar um cheiro horroroso. Pensei em retirar-lhes os caules para depois arrancar as raízes e libertar o espaço para outras espécies. Deitei-lhes a serra mas era o mesmo que tentar serrar uma meada de cordas trançadas. Lá ficaram a apodrecer lentamente ate se começarem a desfaze. Os bambús (subfamília Bambusoideae da família Poaceae) têm um caule do tipo 'colmo', como o das canas e do milho. As bananeiras (género Musa) são portadoras de um pseudocaule, uma formação constituída por folhas sobrepostas. Cactos como o Saguaro (Carnegiea gigantea) têm portes gigantescos. Qualquer destas plantas é um exemplo de plantas herbáceas, ou ervas, gigantes. Logo a proposição (i) é falsa pois (i-a) "há plantas de estatura elevada que não são árvores". Nas árvores, o caule é lenhoso, é um tronco de madeira ou, mais precisamente, de 'lenho', o xilema secundário originado por actividade do cambium (ver tecidos). As árvores são plantas lenhosas e, fundamentalmente, é isso que as distingue das plantas herbáceas grandes como as palmeiras, os bambus e as bananeiras.
Existem árvores anãs o que contraria também a ideia de que todas as árvores são grandes. Um exemplo é uma espécie de bétula que vive na tundra do Ártico, a Betula nana. Ao contrário das restantes espécies do género, todas árvores, a bétula anã que atinge quando muito 1 a 1,2 m de altura. Também a proposição (ii) é falsa pois (ii-a) "há árvores que têm uma estatura diminuta".
Ser grande e ter um caule lenhoso são boas qualificações para fazer de uma planta árvore. Porém, assim como "nem todas as plantas de estatura elevada são árvores" convém tornar claro também que (iii) "nem todas as plantas com um caule lenhoso são árvores". Para designar as plantas lenhosas de menor porte usa-se o termo arbusto. 'Grande' e 'pequeno', 'maior' e 'menor' são obviamente termos vagos. Por isso, os botânicos (e, sobretudo, os práticos, como madeireiros, viveiristas, arboristas, jardineiros ou horticultores) convencionaram comprimentos arbitrários para distinguir um arbusto de uma árvore: uma árvore tem mais de 5 metros e um arbusto, reciprocamente, menos de 5. Acresce a isso que os arbustos começam a ramificar o tronco a partir da base. Aos que o não fazem, dizem-se arbustos de porte arbóreo. Mas há mais: porque o limite dos 5 metros é ele mesmo uma zona de vagueza, os arbustos maiores são referidos muitas vezes como árvores pequenas ou arvoretas e os mais pequenos como 'subarbustos'.
A botânica tem o seu módo próprio de enquadrar estas raríssimas excepções. Do ponto de vista botânico o que conta não é tanto a estatura da planta mas os processos básicos que permitem às plantas atingir essas grandes dimensões que, em certas espécies, como é o caso das sequóias da costa californiana (Sequoia sempervirens), se tornam descomunais.
O 'tronco' é o caule das árvores. Para que é que as árvores precisam de um tronco? Em que consiste um tronco? O que é que faz crescer e manter-se um tronco?