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Uma questão que se coloca em todas as religiões é a separação do bem e do mal. Quer o bem e o mal objectivados, coisificados e, às vezes, personalizados, como Ormuzd e Ahriman na antiga religião persa de Zoroasto; quer o bem e o mal éticos, o proceder bem e o proceder mal, sendo, na consequência, passível de absolvição ou de condenação. A compulsiva preocupação da religião com estes temas intriga-me. O Tigre garante-me que nenhum animal exprime razões para se culpar ou sentir mérito pessoal: o que lhes acontece na vida são consequências circunstanciais dos seus actos ou de eventos fortuitos. E nada mais.
Continuo sem me decidir se é deus, ou se é a culpa, que nos distingue dos outros animais.
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Foi diluviana. Fustigava o telhado e escorria em catadupa para o chão.
Ao abater-se, transportava consigo uma monótona sinfonia de cascata. Só uma temporária mudança no regime do vento introduzia a novidade de umas quantas notas dissonantes. Aconcheguei-me, alisando o edredão, e suspendi a respiração. Era escuro, o que me dava uma oportunidade para continuar a assistir um pouco mais àquela grandiosa abertura operática. Estirei o corpo, saboreando a presença quase dolorosa de cada músculo. Fechei os olhos para me concentrar intensamente. Transcorreu o tempo alternando-se a calmaria e o retomar da precipitação.
Veio o dia e a coisa melhorou. Levantei-me e abri as portadas de par em par. Lá fora, nos caminhos do bosque e nas planuras mondadas um extenso lençol de água em que se reflectia o azul do céu e o verde das árvores. A passarada tagarelava. O ar ostentava uma marca de lavado. A terra emitia o odor intenso da palha molhada.
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Conhecem o neutralino? Esta partícula não-bariónica é uma séria candidata a constituinte da matéria escura.
Tanto a matéria escura, como a energia escura, correspondem a cerca de 95% da massa do universo. A matéria comum, que nós vemos e palpamos, e que é constituída por átomos ( e estes por protões, neutrões e electrões), não chega a perfazer os 5%.
A matéria escura não se vê porque não reage com a radiação electromagnética (não produz, nem reflecte luz). Embora esteja altamente concentrada no centro das galáxias, expande-se um pouco por toda a parte e dilui-se na matéria comum. A sua presença é inferida pela atracção gravitacional que exerce sobre a matéria ordinária.
A matéria escura é acusada de ser responsável pela formação das galáxias e das estrelas nas regiões de maior concentração do neutralino. Actualmente, é também acusada do desvio das rotas das sondas espaciais Pioneer 10 e 11 (lançadas nos anos 70) e da aceleração da expansão do universo, fenómeno inexplicado pelas teorias gravitacionais comuns.
A escuridão é a regra, e a luz um fenómeno bastante raro, no nosso universo: e misturam-se. Errados parecem estar os velhos mitos e cosmogonias da antiguidade semita e indo-europeia. Na criação do mundo, o demiurgo não separou a luz das trevas. A escuridão está em todo o lado e agrega a luz.
Deveríamos repensar a religião natural, ateia e polipanteísta. O tempo é cíclico e não uniforme. Na ciclicidade do tempo repousa o refluir dos eventos, a alternância da vida e da morte, a processão das estações, a sucessão dos ritos agrícolas, as marés, as fases da lua. A religião natural ensina-nos que da morte sai a vida, da noite sai o dia, do útero sai a cria. A semente lançada à terra só germina na escuridão; na escuridão do útero germina o feto.
A escuridão é a condição do nosso referencial espácio-temporal. E um mundo a quatro dimensões é, porventura, um mundo muito estreito para conter o nosso espírito. Talvez a luz seja um epifenómeno, e a nossa compreensão do universo escassa e muito resumida.
Apagou-se hoje uma estrela e o firmamento não se deu conta. O nosso querido Zé C. deixou-nos sem se despedir. Ainda ontem brincávamos zombando do estresse da profissão.
Conheci-o há muito pouco tempo, mas o suficiente para o estimar muito. Andámos dois dias por essas serranias do Oeste, com o Francisco e o Joaquim P. Lá fomos, estrada fora, no sobe e desce colinas, a indagar reservatórios e estações elevatórias em sítios onde antes, provavelmente, estiveram moinhos.
Já não está, abandonou-o um corpo que teimou em não funcionar. Subsiste na memória dos amigos. Por quanto tempo?
Estamos próximos do Samhuinn lunar, o fim do Verão e do ano, início do Inverno, a metade escura do novo ano. Serão três dias de celebração, tempo sem tempo, descida ao reino da morte. Quis o despotismo cristão apropriar-se da celebração pagã subvertendo o Samhuinn no carnavalesco Halloween, num sensaborão dia de todos os santos e num triste dia dos defuntos. Da mascarada das cabaças e das guloseimas, às flores (de plástico) dos cemitérios.
Não deixaremos de cumprir o ritual. É forçoso que o deus morra e a deusa se retire para os confins da terra. Voltará, jovem e virgem, em Yule, para dar à luz o Filho. Todos os anos, enquanto subsistir no universo a raça dos homens e dos deuses.
Neutralinos, bosões e fermiões, zinos, photinos e higgsinos... Matéria escura. A inteligência que desvenda o mundo não traz a luz.
A luz verdadeira é a da vela acesa numa clareira da floresta. Um pavio encandescido, cera que derrete e se consome em chama.
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Não sei se deva falar de transmigração das almas ou de reencarnação. Se há momentos da nossa vida que a gente não recorda, porque não admitir que há outras vidas de que nos esquecemos?
O certo é que reconhecemos, às vezes, pessoas e, sendo mutuamente reconhecidos, ambos não somos capazes de estabelecer em que circunstâncias de espaço ou de tempo travámos conhecimento anterior.
Exauridas as possibilidades, resta-nos acreditar que são conhecimentos de outras vidas.
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O Genesis (6,2) insinua que os filhos de Elohim (o deus? os deuses?) andavam a galar as filhas dos homens e que faziam de muitas delas as suas esposas ... e que estas davam-lhes filhos.
Quem são os "bene ha-elohim"? Segundo a Torah os "deuses" não têm visão, audição, cheiro, marcha, pensamento, tacto ou gosto. Como poderiam, então, procriar e ter filhos? E seria o seu genótipo compatível com o das filhas dos homens?
Por certo que sim, originando uma curiosa mistura de planos - sagrado e profano - em profícuo comércio sexual.