Crataegus
Crataegus monogyna (espinheiro alvar) 2003-04

Aqui há tempos, incerto dia que se foi nas folhas rasgadas do calendário, estava a floresta orlada de brancas rosas bravas: a Nascente, as roseiras bravas cobriam a vegetação cerrada dos sobreiros e dos carvalhos; a Poente, a vegetação rala das oliveiras que hoje dão o nome ao beco que aí passa.

Nascia o Sol a querer derreter o manto níveo perfumado e, já cansado o travesso, derramava, do outro lado do campo, uma pálida áurea poalha de luz sobre a olívea brancura. No centro, um frondoso espinheiro alvar (Crataegus oxyacanthia), o pilriteiro como por cá lhe chamam, erigia-se majestoso, em pleno desabrochar da flor que, com a sua brancura refulgente, lhe dá parte do nome.

A outra parte vem-lhe dos espinhos de que, segunda a lenda, foi tecida a coroa com a qual Jesus de Nazaré foi entronizado rei dos judeus, trazidos depois por José de Arimateia para as ilhas britânicas.

O espinheiro alvar floresce em Maio e, a partir dos finais de Junho, no coração do verão, cobre-se da sua típica baga escarlate que atrai e endoidece a pipilante passarada. Diz quem estuda esta árvore mágica que as suas folhas, flores e bagas contêm uma variedade de bioflavonóides, como as prociamidinas oligoméricas, a vitexina, a quercetina e hiperósidos responsáveis pela sua acção benéfica sobre um vasto leque de problemas cardiovasculares, como a angina de peito, a aterosclerose, a insuficiência cardíaca e a hipertensão.

Lembro-me bem do dia em que foi, aquele cujo ordinal associa a crendice ao azar. Estava, hipnotizado, a contemplar a copa florida do espinheiro, rendilhada sobre o azul do céu. O Sol parecia-se com um disco de prata a fazer io-io sobre o espinheiro. Foi quando vi, na sua sombra, uma virgem.

Interrogo-me hoje insistentemente por que razão tal ideia me veio de rompante - e de repente - à cabeça. Mais ainda, intriga-me esta inquietação (obsessão?) pela, perdoa-se-me o pleonasmo, virgindade das virgens. Eu perguntei-lhe imediatamente se ela era virgem, só para confirmar, não querendo deixar-me levar pelas primeiras impressões. De facto, o seu rosto era de uma beleza não descritível por palavras humanas, mas com certeza de uma beleza que transcendia os limites da beleza humana. Uma pele e umas feições tão sem mácula que jamais poderiam ter sido tocadas por uma mão varonil. Um busto perfeito, cintura adelgaçada, ancas roliças e enxutas. Sem falsa modéstia e com ar seguro me asseverou que sim e que estivesse tranquilo: era virgem.

E fiquei tranquilo, profundamente tranquilo. Na realidade estava a ser alvo da aparição de uma virgem.

Algo, porém, se me afigurou inusitado naquela configuração. Uma virgem não pode aparecer debaixo de uma árvore. Perguntei-lhe, já que ela manifestava-se empenhada em responder às minhas perguntas: "ó virgem, porque é que não apareces antes na copa do espinheiro?".

E ela corou e, com um sorrisinho virginal, respondeu: " se é contigo que eu quero falar, para que iria subir ao alto do espinheiro arriscando-me a ficar toda picada pelos seus espinhos? Acredita que também não sou o gato de Cheshire".

Engoli em seco pois aquela conversa estava a começar a entrar por meandros um pouco mal amanhados. Mais uma vez, armara em "engraçadinho" como forma de meter conversa com uma desconhecida e o tiro saía-me indecorosamente pela culatra.

Mas, ao menos, ficara a saber que a virgem tinha o propósito de conversar comigo

Joomla templates by a4joomla