Espero que hoje seja o fim de qualquer coisa. E só poderá ser o fim se for o começo de qualquer coisa.

Estou em Lisboa, vá-se lá saber, há ... Umas duas semanas? Para aí, mais coisa menos coisa. Começou uns dias antes da ida da Graça para Quito. É normal estar com ela uns dias antes da partida. É certo que é uma separação de apenas uma semana, não maior da que nos afastam os dias normais de trabalho, os ditos úteis. Mas os dias de fim-de-semana, que sinalizam habitualmente os nossos encontros e o nosso viver em comum, tiveram que ser antecipados e postergados, visto terem-se tratado de dias de partida e de chegada, respectivamente. A primeira antecipação do fim-de-semana e de preparação da partida é um exercício de imaginação que tem por resultado um notório efeito prático: fazer caber numa única mala a tralha inimaginável que uma mulher não dispensa em viagem. Fui pô-las ao aeroporto, a mulher e a mala. E instalei-me na minha solidão, agora em isolamento.

Há quem confunda os dois conceitos. A confusão não é conceptual, os termos até poderiam aparecer como sinónimos num dicionário. É de natureza experiencial: quem nunca viveu um e outro nunca lhes reconhecerá a diferença. Eu adoro a solidão e temo o isolamento.

No Tremontelo, a casa, o jardim, o pomar, o bosque de sobreiros e o mini-pinhal são sítios familiares, lugares comuns, onde exercito uma actividade que produz o meu ser e o meu estar. A casa em Lisboa tende a ser um sítio funcional, desabitada durante o dia e a maior parte dos fins de semana, é um lugar onde se dorme. Daí que ficar em Lisboa sem a Graça, acrescenta isolamento à solidão.

Mas fui ficando. Entre a partida e a chegada há que fazer aqueles consertos, manutenções e remodelações que se anda sempre a adiar. Que se podem fazer sem a presença de uma mulher: deixar um fio de cobre descarnado e dependurado do tecto e ir num pulo ao AKI comprar uma peça ou um acessório indispensável, trabalhar a fio sem ter que interromper porque o almoço está feito e a arrefecer, ter a casa toda de pantanas durante uns dias, tolerar a acumulação dos plásticos e cartões com que o IKEA embala os seus artigos, e acumular pó, caliça e serradura a um canto com a consciência tranquila de um psicopata imune a qualquer tipo de alergias. Os dias estiveram gelados, mais precisamente as noites, e permanecer em Lisboa, que beneficia de um clima mais moderado e de aquecimento doméstico mais eficaz e barato, é a opção racional.

A Graça voltou e não desgrudei. Fui ficando, cada vez menos por decisão e mais por inércia. Hoje espero pôr fim a isso, recomeçando a vida no Tremontelo. Life as usual.

Entretanto, fui escrevendo umas coisas em Lisboa. São escritos à Lisboa. Não que estejam escritas no “papel”, mas que estão alinhavadas noutra “ardósia” à espera de saírem a público. São, sobretudo, viagens no tempo. Idas ao passado e retornos ao presente, onde se descobre a identidade radical de todas as épocas e as suas profundas diferenças.

É esse pôr no papel a incumbência para as próximas postagens no Tremontelo

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