Singer
Singer

Recebi como herança da minha mãe uma máquina de costura impregnada de tempo. Nada percebo de máquinas de costura, mas afeiçoei-me fulminantemente ao objecto. Peguei nela, meti-a no carro, com a ajuda de um vizinho, pois é muito pesada, e trouxe-a para o Sítio do Tremontelo.

 A primeira abordagem ao objecto foi declaradamente fácil: reparei o móvel que a suporta como se de um móvel vulgar antigo se tratasse. Depois, o busílis foi descobrir como se abria o tampo do móvel e trazer a máquina cá para cima. Realizada esta proeza tratou-se de a pôr a trabalhar. Lembrava-me, mais pela cadência sonora do que por qualquer estímulo visual, que era preciso dar ao pedal para a pôr a trabalhar. À primeira tentativa não ocorreu nada para além do simples baloiçar do pedal. Inspeccionei a corrente e, verificando que estava fora das guias respectivas, reconduzi-a ao lugar correcto havendo verificado também se tinha a tensão apropriada. Funcionou. Ao menos, havia lá umas coisas que se puseram a mexer.

A máquina apresenta uma anatomia composta de três partes (“Gallia est omnis divisa in partes tres”, não poderia deixar de me ocorrer!): uma base bojuda, à direita, que assenta directamente no móvel; um corpo fusiforme cheio de orifícios que se alonga da direita para a esquerda para terminar na cabeça, a parte que é efectiva na costura. Em termos gerais, e apesar das suas reduzidas dimensões, parece, a considerar o peso metálico, a graça dos contornos, o cromatismo negro e doirado, a locomotiva de um comboio antigo.

Para quem tem como única experiência pregar uns botões ou remendar as bainhas de umas calças velhas afectas à agricultura, a inspecção visual não é de grande auxílio para compreender o seu modo de uso ou a finalidade das suas partes. Já a inspecção táctil das suas formas sedutoramente gráceis, femininas e reluzentes (como a sereia de Copenhaga transmutada em estatueta de bronze) proporciona outras compreensões que a metamorfoseiam de lugar de trabalho em lugar de prazer. Foi essa a razão que me deu alento para continuar a investigar e a aprofundar todos os mistérios daquela esfinge de ferro.

Estabelecera há uns tempos com a minha amável esposa uma rotina segura de telefonemas que nos permite, estando eu em Santarém, ela em Lisboa, um fluxo constante de comunicação em que partilhamos informação, pedidos, afectos e saudades. De lá, peço-lhe que me diga como vai estar o tempo em Santarém nos próximos dias, segundo as previsões do weather.com; ela, que eu lhe traga à volta um raminho de erva cidreira, tomilho, sálvia, ou a caixa de ferramentas para instalar a última aquisição no IKEA. Coisas assim, compreendem? Bem! Numa dessas ocasiões pedi-lhe que fosse à net à procura de um manual de uma Singer com determinadas características. Lá se desenvencilhou com eficácia e, passado pouco tempo, recebi por e-mail um manual da Singer razoavelmente aplicável ao objecto da minha estima.

Aquela noite foi passada em branco, adivinhem com quem.

Joomla templates by a4joomla