INTRODUÇÃO AO TEMA DA GLOBALIZAÇÃO

 

Muito tenho escrito neste lugar em torno do "lugar" mas nada disse, ainda, sobre globalização.

Tudo começa no corpo, muito ante de nascermos: o corpo é o nosso primeiro lugar.

Assim que o aprendemos, começamos a explorar outros lugares. Escadotes, cadeiras, portões, vidraças, máquinas de costura são alguns dos objectos que povoam os nossos lugares. Que utilizamos com frequência.

São os nossos lugares-comuns.

Com o passar do tempo tornam-se invisíveis, raramente olhamos para eles; e, quando olhamos, não os vemos. Só olhando nova e fixamente para eles, o que só é possível pela escrita, os voltamos a ver e a compreendê-los na sua intimidade. Humanos gostamos pouco do vulgar, do comum, do habitual. Estamos ávidos da moda e das novidades dos anúncios publicitários, ansiosos pelas notícias dos telejornais.

Porém os gatos interrogam-se sobre os lugares humanos, são curiosos.

Usando o verbo, e a interna oposição símbolo-diabo, criamos os lugares. Sobretudo aqueles lugares que parecem estar para além de nós, do nosso corpo e da natureza. Arranjámos vários nomes para convocar esses lugares do além: o espírito, a cultura, as crenças, o sagrado, eu sei lá. Depois, criámos os deuses para os povoar. Mas, os deuses ganharam vida própria e acabaram eles próprios por ordenar os nossos lugares. Humanizaram-se, tornaram-se pessoas como nós, movidos por paixões, ciúmes, invejas, e destruíram-se uns aos outros, utilizando os humanos como carne para canhão. Os vencedores acabaram por invejar o nosso corpo e incarnaram a natureza humana.

A verdade primitiva é a verdade de cada lugar. É a claridade do afecto que ilumina cada lugar na partilha humana. Com a revolta dos deuses e a usurpação do poder pelo deus judeu a verdade foi erradicada dos lugares pelo olho divino e desviada para o não-lugar fundamental: o ab-soluto.

A Mátria é o lugar de origem dos humanos, o lugar de onde cada um de nós provém. A nossa mátria é a Língua Portuguesa que está convocada a ser o nosso destino: o 5º império, o lugar do encontro universal dos povos.

Querem-nos fazer acreditar agora que chegámos ao fim da história. Afinal andávamos todos enganados. O que havia para descobrir está descoberto: é a Lógica do Mercado. Deixem o mercado funcionar e seremos todos homens livres trocando o que oferecemos pelo que procuramos. Tudo funciona equilibradamente guiado pela grande Mão Oculta. O Estado, o público, ou outros crimes contra a livre concorrência, têm os seus dias contados: a fusão das tecnologias da informação com as telecomunicações, a nanotecnologia e as outras tecnoquaisquercoisas permitem a livre circulação de informação e a comunicação permanente e síncrona de todos com todos. As matérias-primas, a mão-de-obra, os capitais, a informação estão à distância de um clique. Estamos todos em todos os lugares ao mesmo tempo: a globalização.

Lembram-se daquele jogo com casas vermelhas e hotéis verdes que corriam, movidos por dois dados, entre a casa da partida e a prisão? É assim a globalização dos nossos dias. Um conjunto de operadores olha para o mercado cá de cima, lança os dados: "Um, dois, três, quatro, cinco". "Compro 300 mulheres, por 30 doses de branca". "Queres desipotecar essas duzentas crianças? Dou-te um carro anfíbio, um lança mísseis e 100 kalashnicovas". "Tire uma carta da sorte: Saiu-lhe um político corrupto. Avance até à casa da partida sem passar pela prisão". E as notas passam de mão em mão. Até haver um único senhor do mundo. Como aconteceu com os deuses!

A posição que defendo é que não começou agora a globalização. Esta que nos apregoam é o canto de cisne da globalização genuína que se iniciou no final da idade média e que se caracterizou pelas Descobertas. A que agora se estabelece é o começo de uma nova Idade Média. Que será mesmo uma Idade das Trevas.